NOTIFICAÇÃO: Os eventos relatados neste site são contos de ficção registrados na Biblioteca Nacional com todos os direitos autorais revertidos ao autor Jonathan Shaw. Os personagens mencionados são inteiramente fictícios. Certos eventos, personagens, lugares e relatos, foram baseados em fatos reais, porém qualquer semelhança a qualquer pessoa viva ou morta se trata de pura coincidência. As várias fotografias apresentadas se encontram com o rosto distorcido para preservar o anonimato das modelos que representam personagens fictícios.
Rio de Janeiro – 13 Abril de 2007
Não chove no Rio de Janeiro há dois meses, há mais de sessenta dias. Nenhuma gota caiu do céu desde antes do Carnaval. Os céus estão frios, brancos, tontos, estéreis e sem nuvens. Áridos e desalmados, desolados como um cenário lunar.
Estou há dois meses enfurnado nesta indignidade cósmica. Sentado à beira do mar em uma madrugada sem luar, coçando antigas cicatrizes de mosquitos defuntos que marcaram meus pés frios, tristes e abandonados. Estou fumando um cigarro, saboreando o gosto amargo e químico que sinto na língua queimada – queimada de tanto beijar Narcisa desesperadamente.
Narcisa. Seus lábios rosados e feridos chupam a fumaça do Crack através de uma lata. Durante o dia, durante toda a porra da noite.
As ondas estão frias e frígidas como este céu moribundo de abril. Elas chegam até mim sem respostas. Permaneço sentado aqui mais uma vez, exposto ao teto de estrelas congeladas e sem brilho. Espero por tempestades de misericórdia para jogar o granizo pesado dos espíritos. Para me mostrar os costumes do apocalipse.
NARCISA GOSTAVA DE: programas banais da televisão brasileira, novelas e comédias Americanas idiotas e ridiculamente dubladas. Também gostava de programas infantis e desenhos animados. De pizza, de chocolate e de Coca-Cola com muito gelo. Gostava de mastigar o gelo também. Dizem por aí que quando uma mulher mastiga gelo, está insatisfeita sexualmente. Pois é, faria sentido. Encaixaria com sua história surreal de traumas e abuso sexual.
Ela também gostava de comer porcarias gosmentas na cama, ou sentada na privada e até mesmo debaixo do chuveiro. Gostava de comer porcarias e mastigar gelo enquanto eu a comia também. Vai entender. Às vezes gostava de cantar enquanto trepávamos, normalmente quando estava bastante chapada.
Narcisa gostava de muita atenção, MUITA atenção. Especialmente do tipo mais negativo, pois amava falar alto e xingar bastante. Caprichava nos palavrões e principalmente em lugares públicos. Ela gostava de se vestir de maneira excêntrica, de colocar calcinhas e soutiens por cima de suas roupas para provocar comentários e olhares estranhos pelas ruas do Rio de Janeiro. E aí ela cospia palavrões venenosos na cara dos espectadores curiosos.
Ela gostava das montanhas, mas não gostava de solidão. Gostava da chuva e não se importava em se encharcar até a alma numa tempestade tropical apocalíptica. Provavelmente porque isso a dava bons motivos para reclamar. Ela gostava de recalamar bastante. Quando não reclamava, gostava de música clássica, de rock brasileiro antigo, de banhos de espuma, chicletes Babaloo e qualquer coisa que tivesse algo a ver com fogo e fumaça. Ela fumava cigarros, quantidades assombrosas de maconha, crack, tabaco de corda, cachimbos e até charutos. Dizia que fumaria qualquer coisa e fazia questão em ser cremada quando se fosse. Enterrada não, sob hipótese alguma. Narcisa aguardava ansiosamente por sua morte. Freqüentemente deixava cigarros queimando em diversos cantos estratégicos do apartamento na esperança de realizar seu desejo mortal: fumar a si própria como em um bis final.
Certa vez enquanto Narcisa jogava as cinzas de seu cigarro no chão recém varrido do meu apartamento, lhe ofereci um cinzeiro. Ele me olhou com desprezo. Falou cuspindo no chão para enfatizar:
– O MUNDO é meu cinzeiro, Cigano. – Então eu não discuti.
Ela gostava de discutir com qualquer um sobre qualquer assunto e sonhava em ser advogada um dia. Criticava tudo que enxergava, metralhava uma cachoeira pestilenta de insultos sem cessar. Qualquer um era seu inimigo. Até eu encontrá-la, não havia ninguém íntimo em sua vida. Tudo havia sobrado para mim e por algum motivo, eu não me incomodava.
Narcisa adorava a cor roxa. A cor da redenção e da renovação espiritual. Tudo que possuía precisava ser roxo. Se não encontrasse coisas roxas, podia se satisfazer com coisas rosas. Mas até sua comida precisava ser roxa ou rosa. Ela engolia enormes porções de salada de beterraba no restaurante por quilo do Centro onde comíamos de vez em quando. Talvez na esperança de conseguir cagar roxo para completar a cena.
Ela também mastigava um monte de chicletes cor de rosa e depois os grudava nas paredes e nos móveis do meu lar como um cão que mija nos cantos para marcar seu território.
Certa vez ela me esculachou por uns dez minutos, berrando nos meus ouvidos como condenada em plena calçada agitada do Centro. Eu havia cometido o crime de ter lhe comprado chicletes de cor azul.
– Esta porra é azul, Cigano, azul! – Gritou, lançando mísseis de chicletes contra minha cabeça enquanto pedestres passavam e paravam para assistir ao espetáculo. – Azul é para garotos, Cigano! Você não sabe não, caralho? – Rosnou. – Será que você não percebeu que eu sou uma garota e que a cor das garotas é rosa?
Fiquei paralisado olhando para ela. De repente Narcisa baixou as calças. Baixou as calças ali mesmo, no meio da rua, sacudindo sua buceta raspada na minha cara, sua xoxota pelada me acusando como um bicho de estimação subnutrido que eu havia esquecido de alimentar. A platéia crescente não parava de olhar.
– Você por acaso sabe o que é isso, Cigano? Pois é uma porra de uma buceta. Uma BUCETA!!! Sacou? Bucetinha boa, né gente? – Ela desfilava pela multidão de maneira rebelde, exigindo uma resposta. Alguns homens concordavam com sua afirmação – boa boa – e eu tremia de vergonha. Queria me esconder debaixo de uma pedrinha portuguesa na calçada. – Você gosta dessa buceta, não é Cigano? Então se liga meu irmão… Buceta é coisa de garota, Cigano. Garota, ta ligado? Não de garoto! E a cor das garotas é rosa, Cigano, ROSA! Nada de azul, nada de preto, nada de amarelo ou qualquer outra cor, sacou? Roxo tá legal, tudo bem, beleza até para a Narcisa, tá ligado? Mas, fora roxo, é só rosa para mim, sacou? Esquece qualquer outro bagulho! – Ela pausou. – AGORA você se ligou!
Eu me liguei.
De repente Narcisa deu a meia volta por aquela multidão, lançando pedacinhos de chiclete na cabeça das pessoas que olhavam chocadas. Ela gritava enquanto subia as calças.
– Agora acabou a sessão de strip, seus caras de mico! A propósito… Aceito e agradeço qualquer tipo de contribuição espontânea da platéia… Aceito em reais brasileiros, escudos portugueses, libras esterlings ou dolares americanos e australianos. Aceito encarecidamente até fortalecimento em chiclete também. Mas SOMENTE cor de rosa, ok? Mas o tempo se esgotou, temos que ralar. Rala, rala, rala! O show acabou agora, sacou? Se finis! Thank you, come again!
Ela me agarrou pelo braço e me arrastou rua abaixo como um cão conduzido por uma coleira, como se nada daquilo fosse fora do comum. Eu me lembrava de quando era um garotinho de cinco anos sendo arrastado pelas ruas pela mãe alcoólatra, bêbada como uma barata tonta.
Mais um dia na vida de Narcisa. Glória a Deus. Narcisa e seu terrível esplendor devastador.
NARCISA DETESTAVA garçons, uniformes, policiais, gente gorda, argentinos, música caipira e especialmente forró. Detestava jornais, noticiários e especialmente a Hora do Brasil. Detestava gente pobre, gente rica, futebol, praia, aviões e o “mau gosto” em termos gerais. Detestava gente velha, principalmente da sua família. Ou assim dizia.
Detestava seu corpo e aproveitava qualquer oportunidade para castigá-lo. Freqüentemente provocava brigas de rua com estranhos, deixando fazerem a tarefa por ela. Haviam feridas de batalha, cicatrizes, pontos e marcas de porrada por todo canto de sua pobre carcaça aflita. Ela odiava suas funções corporais, por serem lembranças indesejadas do corpo odiado. Detestava ir ao banheiro, fazer cocô. Defecar, ela dizia, mal agüentando pronunciar a palavra “cagar”. Detestava ficar menstruada, detestava sua buceta, suas tetas, e sonhava com a idéia bizarra de fazer uma cirurgia para cortá-las fora, mesmo que fossem bem pequenas. Se um dia ganhasse dinheiro suficiente muambando sua maldita buceta maléfica por aí, ela faria.
Narcisa detestava o azar de ter nascido fêmea e não gostava de mulheres. Tolerava as adolescentes, porém, porque queria algo com elas. Geralmente sexo. Narcisa odiava homens ou pelo menos era sobre isso que reclamava. Apesar de suas maneiras abrasivas, contudo, ela era carismática e charmosa de uma maneira quase surreal. Sempre conseguia qualquer coisa que queria. Alegava ter técnicas ocultas de Controle Mental que, supostamente, havia aprendido lendo livros de Satanismo e Magia Negra. Isso quando era apenas uma criança. Ela também havia participado desde que era bem novinha, de cerimônias e rituais ainda mais sinistros. Havia feito um pacto com o próprio Diabo.
Narcisa detestava palavras impressas em roupas, principalmente etiquetas, e sempre as cortava de suas roupas. Até mesmo as de grifes caras que conseguia por aí. Um dia lhe dei de presente uma camiseta nova com uma frase qualquer escrita no centro. A primeira coisa que ela fez foi pegar minha tesoura para cortar as palavras, deixando seus seios odiados expostos. Qualquer coisa valia para não permitir que virasse um outdoor ambulante em benefício de “parasitas desconhecidas” que não davam nada em troca.
Ela também detestava máquinas e sentia o maior prazer em quebrar rádios, telefones, celulares, liquidificadores e televisores. Detestava a luz do sol e desprezava COMIDA. O mero ato de comer lhe ofendia terrivelmente, mas era um mal necessário. Ela dizia que gostaria mesmo de poder desidratar sua comida para fumá-la em um cachimbo. Assim poderia realizar sua tarefa desagradável de se alimentar de maneira menos dolorosa. Num belo dia, dizia, inventaria uma técnica para fazer isso e iria “encher o cu de grana” vendendo o produto para pessoas como ela. O problema é que ninguém mais era como ela. Um dia ela percebeu isso.
Quando a ficha caiu, Narcisa ficou zangada, deprimida, mal humorada. Por dias e dias. Foi uma fase obscura para ela, coitada.
– Tudo vai dar certo, Narcisa! – Falei, tentando consolar.
– Nada vai dar certo! NUNCA! – Gritou de volta.
E por aquele instante, eu quase acreditei.
Rio de Janeiro – 24 de junho de 2007
Narcisa está virada do novo, no terceiro dia de missão. Está fumando crack no escuro, escondida no sótão de uma casa abandonada, rodeada de fantasmas e aranhas e ratos e morcegos e outras coisas ocultas que se mexem tão rapidamente na sombra, que não conseguem nem ter definição. Nem mesmo no vocabulário mais deturpado, surreal e sobrenatural de Narcisa.
Ela chegou aqui há uma hora e me invadiu sem piedade. Chegou arrotando e peidando como um caminhoneiro bêbado, apressadamente tirando a roupa e jogando-a no chão. Deitou seu traseiro perfeito e branquelo de adolescente no sofá e rosnou como um Rottweiler irado.
– Vamos lá, Cigano! Tá na hora de foder, meu irmão! Vem, vem, vem! Vamos nessa, vai logo! Anda, vai, vai, vai!
Eu já estava duro e metia nela. No único lugar do mundo em que queria estar para sempre. Agarrava suas nádegas duras com as palmas das mãos e abraçava seu corpo firme de jovem como se fosse um salva-vidas. Sentia-me completo e inteiro de novo quando seus braços longos e pernas sem fim envolviam-me como asas gigantes de um predador escuro. Arrastavam-me para baixo, baixo, baixo, para os impérios de Paz e Morte.
Conforto.
Ah, Narcisa. Dakini. A cobra venenosa de mil putas, aquela que eu amo, aquela que eu odeio.
Meia hora depois, ela já estava se vestindo. Parecia uma gerrilheira se armando para sua batalha final. Se esbravejava pelo quarto, apoderando-se do dinheiro que estava em cima da mesa, como uma ave de rapina adentrando uma noite escura.
Caio de volta no inconsciente, volto ao sono turbulento. Pergunto-me se aquela foda gritante e supersônica foi um sonho, um pesadelo, ou uma dívida cármica que preciso pagar interminavelmente aos Deuses malditos e irados do Caos, da Perdição. Em breve, eu penso, ela terá que baixar sua onde e capotar afinal. E daí também poderei dormir novamente, dormir para valer. Dormir sem ter que ser acordado de duas em duas horas para encher seu buraco com sêmem e sua mão com grana e moedas e bujingangas e cigarros e cinzas, cinzas, cinzas, debaixo do meu pobre saco vencido…
NOTIFICAÇÃO: Os eventos relatados neste site são contos de ficção registrados na Biblioteca Nacional com todos os direitos autorais revertidos ao autor Jonathan Shaw. Os personagens mencionados são inteiramente fictícios. Certos eventos, personagens, lugares e relatos, foram baseados em fatos reais, porém qualquer semelhança a qualquer pessoa viva ou morta se trata de pura coincidência. As várias fotografias apresentadas se encontram com o rosto distorcido para preservar o anonimato das modelos que representam personagens fictícios.